Opinião - A competição é o objetivo?

Opinião - A competição é o objetivo?

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A catástrofe da Cidade do Samba, mais do que causar tristeza, levanta uma discussão que parece que não terá fim, mas que vejo como fundamental para os rumos do carnaval. Chegou o momento de delimitar até onde o desfile é festa, congraçamento e expressão cultural de uma comunidade. E determinar qual o verdadeiro peso da competição - mola mestra do desfile para muitas pessoas. Depois de tudo que aconteceu na Cidade do Samba, vejo que não há condições para um julgamento equilibrado. Concordo com a decisão da Liesa de não rebaixar nenhuma escola e de não julgar Grande Rio, Portela e União da Ilha.

Passei a tarde desta triste segunda na Cidade do Samba e acompanhei de perto o rescaldo. Vi o olhar perdido e incrédulo de Tavinho Novello, diretor de Carnaval da Grande Rio. Senti patente nos rostos dos dirigentes insulanos todo o desconsolo de ver grande parte do carnaval destruído. Constatei de perto a garra portelense, seja no semblante de Junior Scafura ou no cansaço de Lucinha Nobre, a porta-bandeira que se juntou ao mutirão para tentar recuperar algo que se possa reaproveitar do barracão portelense. Vi a solidariedade que levou integrantes de praticamente todas as escolas do Grupo Especial em ajudar as coirmãs - sentimento esse que faz do samba um exemplo único de competição com rara fidalguia. Em todos esses rostos, a decepção por um ano perdido. Todos os planos viraram cinzas, todas as chances de um carnaval competitivo acabaram. E aí levanto o questionamento: o resultado é o mais importante agora? Logicamente, todas as escolas se preparam pensando na classificação final. É isso que move a festa, que faz a rivalidade se acentuar e que gera toda expectativa. E, claro, sem isso, esse site não teria razão de existir. Porém, é hora de pensar com calma e constatar que não há condições para estas três escolas apresentarem carnavais com um padrão de competitividade no mínimo semelhante aos das outras nove concorrentes. A Grande Rio teve perda total. A Portela perdeu as fantasias e terá de concluir seus carros em um área improvisada. A União da Ilha foi a menos afetada. Salvou quase todos os seus carros, à exceção da alegoria da aranha, que já era uma das principais atrações da Cidade do Samba. Mas, mesmo assim, perdeu 2.500 fantasias e tem problemas estruturais, pois está apenas em seu segundo ano no Grupo Especial dentro dos moldes industriais em que ele hoje se encontra. Imagino a dor dos componentes das escolas em não serem julgados. Porém, acho uma covardia do tamanho do mundo promover um julgamento que reúna escolas que se prepararam com tranqüilidade durante nove meses e outras que terão de, literalmente, renascer das cinzas em apenas um mês. A igualdade da avaliação está definitivamente abalada. Uma nota muito baixa para qualquer uma destas três escolas será considerada uma covardia imensa. Uma nota alta, como uma benevolência indevida. Não é justo deixar os jurados nessa sinuca e, mais ainda, expor grandes nomes e escolas a notas que não corresponderão a seus esforços, competências e tradições. Algumas pessoas me disseram que as escolas perderam o estímulo para desfilar e que deveriam passar de camiseta e bermuda. Me questiono: será que alguém sonha o ano todo em desfilar numa escola apenas pela competição? Ou será que dentre os sonhos de um carnaval não está em passar pela avenida com alegria, imponência, orgulho e, acima de tudo, dignidade? União da Ilha, Portela e Grande Rio terão uma chance ímpar de desfilar com ânimo redobrado, coração ferido e vontade de mostrar, nem que seja um pouco, os belos carnavais que preparavam. Sem as amarras do julgamento, mas com harmonia e responsabilidade, poderão fazer desfiles mais soltos, alegres e comoventes. Para o choro emocionado dos que amam esta festa, para a alegria do povo e pelo bem do carnaval carioca.

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