João Tomaz – A Arte de Atuar e o Espetáculo Sagrado

Confira o personagem de hoje na coluna Cultura em Cena, escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre.

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“A Umbanda é paz e amor, é um mundo cheio de luz, é a força que nos dá vida, é a grandeza que nos conduz”.  Os cânticos com versos enaltecendo a paz, o amor e a luz divina, entoavam pelo terreiro, embalados pelos batuques dos atabaques e as batidas em cadência das palmas das mãos, enquanto a harmonia entre espírito, mente e corpo chegava pelas preces irradiadas através das danças rituais. A espiritualidade já fazia parte do universo do artista João Tomaz, enquanto o seu coração ainda pulsava dentro do útero da sua mãe, a Yalorixá Júlia Fernandes.

O mundo lhe foi apresentado em Uruguaiana, e os seus olhos vislumbraram o chão de um terreiro, apenas uma semana após a sua chegada. E em terreiros de Umbanda e de Batuque, engatinhou, andou, brincou, cresceu e viu a adolescência pedindo passagem enquanto a sua infância ia se esvaindo. Sua identidade como ser humano foi moldada pelos ensinamentos que permearam todo este caminho, e que fazem do amor, da caridade e da humildade princípios básicos da vida.

Revirando suas memórias, lembranças marcantes de toda sua vivência nos terreiros afloram, e entre estas recordações, emergem imagens que retratam a beleza do ritual de sua iniciação religiosa, momento em que sentiu que os caminhos que lhe haviam sido designados estavam orientando seus passos, e cenas do ritual quando concluiu o mais alto patamar das suas obrigações religiosas, transbordam carregadas com a emoção que fez seus olhos ficarem marejados e chorar como criança. 

E foi buscando resgatar estas vivências, que nasceu o projeto do Espetáculo Teatral “Sagrado”. 

“Lá em 2013 eu começo a pesquisa do espetáculo “Sagrado”. Esta é uma pequisa muito pessoal, vem de um universo muito meu, muito íntimo, de uma vivência muito particular desde a minha infância.

João Tomaz, aos 7 dias, em um terreiro de umbanda

Começo a reunir isto, começo a experimentar isto dentro do meu corpo. Como é esta dança, como seria este ritual se transformasse para o universo teatral. Começo a investigar isto, e ai as coisas vão acontecendo. Concomitantemente a isto, o Grupo Teatral Reminiscências seguia os trabalhos paralelos com espetáculos infantis e adultos, a gente seguia fazendo nosso trabalho como a gente faz até hoje. Eu tinha esta pesquisa de forma muito isolada e muito pessoal.”

Em 2017 o Teatro Alfredo Sigwalt acolheu a primeira apresentação do espetáculo, que aconteceu durante a Terceira Mostra de Teatro de Joaçaba, produzida pelo Coletivo Engenho Cultural. Ainda estava em fase de pesquisa, e Tomaz concluiu que todo o material que havia até então, precisava ser organizado pelo olhar de um diretor, e no ano seguinte o diretor Pepe Sedrez, da CIA Carona de Teatro de Blumenau, foi convidado para participar deste processo, a princípio com uma assessoria de direção.

“Em 2019, nós começamos a trabalhar o espetáculo com o olhar do Pepe Sedrez. O Pepe entra, vê o material, percebe que precisa de várias coisas para afinar, para aprimorar este trabalho. E aí ele acaba assumindo a direção. Ele acaba gostando tanto do processo, gostando tanto do resultado desta pesquisa que ele se torna o diretor do espetáculo. E numa sexta-feira 13, 13 de setembro de 2019, de lua cheia inclusive, nós estreamos no Teatro Alfredo Sigwalt de Joaçaba.

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O espetáculo “Sagrado” traz toda esta minha vivência que vem desde o útero da minha mãe, até minha vivência enquanto criança, enquanto adolescente, enquanto homem adulto, dentro do espaço do terreiro de Umbanda e Batuque. Só que mas que isto. Eu queria trazer toda a beleza da religião, todas as danças, cantos, rituais, cheiros. Tudo isto está presente, mas eu queria um pouco mais. Eu queria utilizar o espetáculo como um espaço de denúncia. Infelizmente o Brasil é um pais muito racista e intolerante, religiosamente falando. E as religiões de matriz africana, infelizmente são as que mais sofrem com este tipo de preconceito. Temos diariamente situações de casas que são apedrejadas e incendiadas. Infelizmente temos dentro da história do nosso país, vários pais e mães de santos que já foram mortos em decorrência da intolerância religiosa. São histórias muito tristes. E então, eu resolvo junto com o Pepe e com o Grupo inserir isto também. Então o espetáculo “Sagrado” é este universo que mostra esta religiosidade, valoriza esta manifestação popular e religiosa do Batuque e da Umbanda. Mas ele também é um canal de denúncia. Ele é um espaço para que nós falemos sobre situações de violências que acontecem com os povos de terreiros no nosso país. Felizmente já circulamos em 2019 com o espetáculo por algumas cidades, Caçador, Florianópolis, Blumenau, e ele foi selecionado pra a Mostra Regional do Festival de Chapecó, e em 2020, também foi selecionado para o Festival Toca da Lontra, em Florianópolis. Só que os 2 festivais em decorrência da pandemia tiveram que ser cancelados, e não conseguimos fazer. E agora, felizmente em 2022, nós estamos circulando com o espetáculo de volta, estamos voltando e estamos muito felizes por que ele está voltando por meio de um prêmio. Nós fomos contemplados com o Edital Elisabete Anderle de Estímulo à Cultura - Edição 2021, e estamos executando o projeto em 2022, e é por isto que ele vai circular agora por Herval d Oeste, Lages e Joinville, com apresentações gratuitas e abertas a toda comunidade”.

Carreira Artística 

Sua trajetória no mundo da arte iniciou tão logo a educação entrou em sua vida. O encantamento proporcionado pelas apresentações artísticas que aconteciam na escola, o levou muito cedo a começar a fundir o teatro com a sua história, participando de encenações em que dava vida a  diversos personagens.

A criatividade do aluno, que ainda pequeno, a arte já o transbordava de emoção, o impulsionou a materializar as criações que já brotavam em seu imaginário, e com 8 anos passou a propor apresentações e encenações aos seus professores e a se engajar nos movimentos culturais que aconteciam dentro da escola.

Morando na periferia de Uruguaiana, a maioria das apresentações culturais aconteciam distante do seu olhar, e o seu contato artístico se concretizava através das danças tradicionais gauchescas e das imagens que entravam todo dia em sua casa através do aparelho de televisão e preenchiam os seus dias com personagens saídos de desenhos animados, novelas e filmes, exercendo um papel fundamental na sua formação cultural.

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Aos 12 anos de idade surgiu a oportunidade de participar de uma oficina de teatro ministrada na escola que frequentava. Durante um ano, todos os sábados eram marcados por encontros e ensaios, culminando com uma apresentação da peça “Chapeuzinho Vermelho”, e Tomaz encarnou o antagonista, dando vida ao famigerado Lobo Mau.

Os primeiros passos haviam sido dados, mas a fusão completa do teatro com sua história aconteceu aos 14 anos, quando o grupo teatral “Eu Teatro , Tu Teatras”, de Uruguaiana, disponibilizou oficinas de teatro para crianças e pré-adolescentes das comunidades.

“Nós começamos a oficina com 50 crianças e pré-adolescentes, e terminamos a oficina comigo e com uma colega, que não desistimos e fomos até o final. Depois desta oficina eu fui convidado a participar do grupo “Eu Teatro, Tu Teatras” ainda com 14 anos, que é um grupo que existe ainda, que é um grupo profissional de teatro, que monta espetáculos, e que circula com estes espetáculos por escolas da região de Uruguaiana e também por festivais de teatro.

E ai é que começa de fato a minha carreira, Eu começo a fazer teatro de uma forma mais profissional com 14 anos de idade. Não paro mais de fazer criações, pesquisas, espetáculos, montamos lá no grupo de teatro vários espetáculos. Alguns deles circularam em festivais do Rio Grande do Sul e receberam premiações.”

Universidade

O desejo de ampliar conhecimentos e técnicas fez nascer o desejo de graduar-se em artes cênicas. Em 2012, aprovado no vestibular para estudar na Unoesc de Joaçaba, sai de cena o Pampa Gaúcho, e entra em cena o Vale do Rio do Peixe. A vida entre morros cobertos pelo verde das matas começa esbarrando em um contratempo: a turma na qual estava inscrito acabou sendo cancelada. Mas, assim como há a adversidade, há também a superação, e Tomaz acabou seguindo seu rumo dentro do Universo Acadêmico graduando-se e pós-graduando-se em Psicologia. Atualmente está concluindo mestrado em Ciências Humanas.

Joaçaba

“Chego em Joaçaba em 2012, e estou produzindo, pesquisando teatro, artes e afins, como a dança que é um universo que também me interessa, e que tá cada vez mais presente no meu trabalho.

De 2012 a 2022 muitas coisas aconteceram dentro de este universo do teatro, e ai é que eu começo de algum forma escutar as coisas que eu mesmo queria e quero comunicar.

Grupo Teatral Reminiscências 

Fundado em 2011 pelo ator Fábio Libardi e pela atriz Ingrid Alfonso Lucas, também oriunda de Uruguaiana, e que havia trabalhado junto na companhia “Eu Teatro, Tu Teatras”, Tomaz ingressou no grupo após recém ter se estabelecido no meio-oeste catarinense, aceitando um convite feito pela sua conterrânea.

“Acredito que tanto o espetáculo “Sagrado”, tanto os trabalhos de hoje do Grupo Reminiscências, o espetáculo “Criançar”, que nós acabamos de estrear ano passado, o nosso trabalho em palhaçaria, que é um trabalho que vem de uma pesquisa longa, todos estes nossos trabalhos eles são pautados no sentimento de que precisamos falar para as pessoas sobre liberdade.

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E este espetáculo “Sagrado” fala sobre liberdade religiosa, liberdade de manifestação cultural, e o “Criançar” fala sobre liberdade da criança, de ser e brincar sobre aquilo que ela quer brincar. E ai dentro da brincadeira consegue descobrir possibilidades de voar, e de ser quem se é. A palhaçaria é a mesma coisa, então acredito que hoje, o meu trabalho, falando de forma bem pessoal, eu resgato uma criança, um menino que nasceu lá em 1994, e que hoje consegue ter um espaço profissional, politico, e que consegue comunicar aquilo que quer comunicar, e é por isto que é importante fazer o espetáculo “Sagrado”, circular com ele, por que eu acredito muito no potencial e na capacidade que a arte tem de comunicar e de transformar. Inicialmente transformar a mim quanto pessoa, quanto artista e quiça afetar e tocar as pessoas, o olhar delas, e a relação delas , em relação ao espetáculo “Sagrado”, a relação de algumas pessoas com relação as religiões de matriz africana, e quem sabe objetiva-se assim, de uma forma muito pretensiosa, sensibilizar estas pessoas, sensibilizar o público a partir do espetáculo, a partir das memórias presentes no espetáculo, para que não cometam intolerâncias religiosas, para que respeitem as manifestações plurais que nós temos no nosso país. Então este é meu desejo enquanto artista, enquanto pessoa, hoje.”

O espetáculo “Sagrado” será apresentado neste dia 04 de julho, quinta-feira, as 19:30 horas, na sede da Unidos do Herval. Retirada de ingressos 30 minutos antes do espetáculo. A apresentação é gratuita e acessível em Libras.

Para conhecer mais sobre o artista João Tomaz acesse a sua página no Instagram: @tomaz_joao

Para conhecer mais sobre o Grupo teatral Reminiscências acesse a página no Instagram: @reminiscenciasteatro

Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

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