Estamos naufragando num mar digital de ilusão
Se estamos sós queremos encontrar alguém, se estamos com alguém queremos estar sozinhos.
Tenho andado distante, distraído e extremamente ansioso, motivos não faltam no caos em que diariamente enfrentamos. E aí nosso cérebro cansado, esgotado não consegue mais absorver tanta coisa ao mesmo tempo, separar o que é supérfluo e o que é imprescindível.
São senhas do banco, senhas do e-mail pessoal, e-mail profissional, notícias, redes sociais, listas, intermináveis listas, de compras, de tarefas, de contas, planilhas, e a gente se sente o coelho da Alice, sempre atrasado, sempre cansado, nunca em paz. E são contas, são metas, são expectativas inatingíveis e quanto mais corremos mais longe fica nosso ideal de vida pessoal ou profissional.
Se estamos sós queremos encontrar alguém, se estamos com alguém queremos estar sozinhos, os sentimentos sãos pueris, os relacionamentos cada vez mais líquidos, e vivemos com medo e incertezas, o corpo padece e a alma pena sob o jugo dos julgamentos do que é certo ou errado, nas redes sociais somos réus, advogados, juízes e especialistas em tudo; saúde, política, religião…
O cansaço mental reflete nosso cansaço físico, que tentamos disfarçar com os inúmeros filtros das redes sociais, e sorrisos falsos, felicidades fabricadas. Criar conexões tornou-se uma tarefa árdua e exaustiva. Sozinhos, ansiosos e fragilizados, mendigamos por atenção e amor, sem um pingo de amor próprio.
Onde está nossa humanidade? Seguimos naufragando (não sabemos mais navegar) num mar de aparatos tecnológicos, e todo o dia aquela fagulha de consciência nos questiona, aquela incômoda sensação de que algo não está certo, nos atormenta, por um breve momento nos desesperamos, mas logo voltamos a sorrir plasticamente para a selfie do bom dia, ou tirar uma foto do prato de café da manhã, entre outras tantas futilidades que como rebanhos aprendemos a reproduzir quase que automaticamente.
E assim seguimos com nossa frágil e falsa sensação de normalidade num mundo caótico e apocalíptico, onde o real já não faz mais sentido, pois tem marcas, é “feio”, tem dor, choro, tem cheiros e texturas, nos faz encarar nossos medos e nossas limitações. Cada vez mais trocamos o real pelo virtual, e gradativamente perdemos nossa humanidade e individualidade para sermos só mais um dígito no mundo perfeito e virtual.
Sorria, faça pose, seja engraçado, consciente, politizado, saiba cozinhar, pratique exercícios, saiba sobre as tendências de moda, depile-se, tenha pelos, ame os animais, seja você mesmo (porém somente se esse você couber no padrão imposto por uma minoria), saiba dançar, seja desconstruído (porém apenas o suficiente para não ser moralista), enfim faça tudo, mas lembre-se apenas no mundo virtual, porque no mundo de verdade onde você sangra, chora, tem medo, ninguém se importa, quer saber.
Confira essa outras crônicas no meu blog: Emaranhar-se de Poesia