Cultura em Cena - Conheça o fotógrafo Carlos Eduardo Carvalho

Ele é co-autor do livro Promessas que retrata a Romaria de Nossa Senhora Aparecida em Campos Novos.

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Entre as lembranças da sua infância, o fotógrafo Carlos Eduardo Carvalho, camponovense radicado em Joaçaba, guarda a imagem da sua mãe segurando em sua mão e atravessando toda a Avenida Sagrado Coração de Maria e o guiando no meio da multidão com a promessa de ao final do trajeto da Romaria de Nossa Senhora Aparecida ser presenteado com um churros e com um brinquedo novo. 

“Minha mãe me levava de mãos dadas para a romaria, e era dia das crianças. Eu só pensava no dia das crianças, não estava interessado em romaria e então ela me prometia – Você vai comigo até no final, chegando no final a gente compra churros. Lembro da minha mãe me acordando cedo – Vamos que você precisa se arrumar para a romaria, nós vamos perder a romaria, e eu criança não queria ir. Dai minha mãe dizia - Vamos, senão você não vai ganhar churros. E eu – Opa. Vamos ! Churros era só na romaria ou no aniversário do município. Eu ia para ganhar brinquedo, para ganhar churros.“

 O tempo engoliu o menino, que cresceu, se tornou artista e retornou para percorrer o mesmo trajeto, registrando e eternizando em suas fotos, rostos, corpos e momentos deste povo que provido de muita fé toma conta das ruas de Campos Novos, todo dia 12 de outubro.

 “Em 2014, tentei fazer as primeiras fotografias da romaria, não tinha ideia do que queria, fiz algumas imagens e voltei correndo pra casa, pois não estava pronto para aquela imersão fotográfica. A romaria acontece em Campos novos/SC, uma cidade interiorana e que em 12 de outubro magnetiza de sessenta a cem mil pessoas, com romeiros e trabalhadores de diversos lugares da América Latina. Pra mim o mundo estava bem ali na minha rua com a presença de trabalhadores kaingangs, haitianos, senegaleses, peruanos, bolivianos e brasileiros de todos os cantos, numa romaria que vai além da religiosidade”. 

“Em 2016 volto a fotografar a romaria e não paro mais. Até que em 2022 sai o livro Promessas. Trabalho que divido a autoria com minha companheira de vida e trabalho, a artista e contadora de histórias, Jaqueline Silveira, que durante este processo dedicou-se a escutar e recontar as narrativas da oralidade que permeiam o evento, além de fazer a produção executiva do projeto que foi aprovado e viabilizado pelo Edital Elisabete Anderle de apoio à cultura. O livro é fruto dessas experiências coletivas e tem ainda a edição e projeto gráfico da Gabi Bresola, da Editora Editora. Agora, o que mais queremos é as pessoas possam ler as imagens e as narrativas que contam essa história e viver a experiência. Promessas é uma busca pela identidade, uma busca pela memória. Este livro é um olhar artístico de quem tem uma proximidade afetiva. Eu nasci e cresci vendo esta romaria passar em frente da minha casa, e vi depois com a câmera fotográfica e ao lado da minha companheira Jaqueline Silveira.

 Promessas, o título do livro guarda muitos sentidos, desde as promessas religiosas, promessas de boas vendas, promessas que serão cumpridas, promessas realizadas. Acima de tudo, nos interessa que os leitores descubram e vivam as possibilidades que esta palavra experiência pode oferecer.

 Infância

 O Vô Chico

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 As pequenas lascas que saltavam da madeira enquanto ela ganhava forma de arte pelas habilidosas mãos de seu avô marceneiro se amontoavam no quintal de sua casa, e serviam para instigar a imaginação do pequeno Carlos, transformando o local em palco para suas brincadeiras.

 A oficina do seu vô Chico, erguida com madeiras que guardavam histórias oriundas de outras moradias antigas, ficava nos fundos da casa e era de lá que vinham seus carrinhos e caminhõezinhos. O último deles permanece até hoje ao seu lado. Às vezes, a impaciência tomava conta do menino que esperava ansioso pelo seu pedido de um novo brinquedo, fazendo dos dias de espera uma eternidade. 

E quando seu desejo era materializado, sua imaginação aflorava, o novo brinquedo se enchia de vida e uma nova história transbordando fantasia preenchia o seu dia. Não tardou para que seu fascínio por animais se transformasse em arte. Com um lápis em sua mão, deslizando nas sobras das madeiras finas, traçava desenhos que aos poucos adquiriam formas de bois, de cavalos e outros bichos, e depois eram recortados pelo seu vô.

“O meu vô falecido Chico, é uma referência bem importante pra mim. Em 1995, minha mãe e eu fomos morar com meus avós. e imagina só, que massa, que maravilha que é morar na casa dos avós. Eu tinha 5 anos e as criações em madeira do meu avô, as imagens em madeira que meu avô criava fizeram da minha infância uma experiência mágica. O vô Chico faleceu em 2001, mas suas obras seguem vivas na memória e pela casa”.

 A História do Leão

 Em frente a sua casa havia um terreno desértico e vazio, conhecido por Terrão, com várias dunas que se formaram por terra trazida de outros locais, e que acabaram se solidificando pelas águas despejadas pelo céu. Era um cenário cinematográfico, um ambiente ideal para deslizar sobre estas pequenas montanhas sentado em um papelão, sentir aquele friozinho na barriga subindo e descendo de bicicleta e também para passear com a Suzi, sua primeira cachorrinha.

Um certo dia, quando a tarde já estava indo embora, ao retornar da escola se deparou com um movimento intenso com carretas coloridas e muita gente trabalhando no Terrão. A lona prestes a ser erguida anunciava que um circo havia chegado. Para desalento do menino Carlos, a lua não tardou para afugentar o sol, recolhendo-o para dentro de casa. E o tempo cheio de artimanhas, resolveu castigá-lo, jogando algum pó mágico nos ponteiros do relógio que se arrastavam lentamente, até que finalmente chegou a hora de ir dormir. Curioso e impaciente, quando o breu da noite foi embora, saltou da cama e correu lá fora.

 A longa espera havia valido a pena: o circo já estava armado, e para seu encantamento, uma família de leões com um filhote estava ali bem próximo de seus olhos. 

“Eu era criança, aquilo pra mim era uma maravilha, e eu ia toda hora na janela pra ver o circo e pedia pra mãe me levar”.

 Nos dias que se sucederam, seus passos repetiram o mesmo trajeto em um frenético vai e vem entre a casa e a jaula dos leões, até que, para aplacar a vontade imensa de não sair de perto dos animais que o fascinavam tanto, sua mãe o presenteou com sua primeira câmera fotográfica.

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 Carlos, radiante, apanhou seu equipamento, pulou a lona que escondia a jaula em que eles estavam guardados naquele dia, chegou perto dos bichos, mirou a lente, deu seu primeiro click, e vibrando retornou para casa. 

“O filme dessa câmera fotográfica, acho que era uma Kodak automática, ele ainda está guardado e um dia será revelado, por enquanto o Leão aparece só na minha memória e imaginação”.

 “Até que um dia eu contei para a mãe que passei a mão no leão e ela nunca mais me deixou ir ao circo. Passei a mão na juba e no lombo dele, imagina só? E ele dormindo, nem sinal de acordar e não tinha ninguém olhando. Eu tinha uma paixão por aquele bicho. A noite a gente dormia com aquele rugido, é um rugido pra dentro, era fantástico”. 

“Naquela época, o filme “Rei Leão” ainda era um sucesso e eu esperava ansioso que a televisão exibisse, porque a gente não tinha videocassete, a gente não tinha este acesso a salas de cinema. Imagina conhecer um leão, eu fiquei impressionado. Um dia, eu peguei uma conversa da minha mãe e da minha vó na cozinha, dizendo que os leões estavam passando fome e era por isso que eles rugiam tanto à noite. Aquilo não saiu da minha cabeça, foi o meu primeiro desencanto, entendi também que era por isso que eles nunca apareciam no picadeiro. Não tinha espetáculo com eles, eu nunca vi os leões de dentro, apenas via as suas jaulas na parte externa do circo, do lado de fora lona”. 

Adolescência 

 Um grande desejo de se expressar e de se manifestar, trouxe para os seus dias dois elementos fortes da contracultura, e a sua adolescência foi invadida pelas manobras radicais efetuadas sobre um skate, e pelos sons de uma banda de punk rock chamada “Distorção Mental” da qual era integrante, cantando e tocando guitarra. Influenciados por bandas como “Os Replicantes”, “Ramones”, “Ratos do Porão” e “Garotos Podres”, costumavam tocar músicas autorais em encontros e festas onde se reuniam pessoas que tinham os mesmos anseios.

“Minhas referências culturais eram o skate e rock and roll e elas foram essenciais para me levarem até a fotografia, especialmente a fotografia de rua que é o meu tema principal de pesquisa e trabalho. A Romaria, por exemplo, é uma expressão tão urbana e tão popular quanto a música e o skate. O livro Promessas do qual falamos bastante nessa entrevista, sem dúvida, está conectado com esse lugar”.

 Para conhecer mais sobre o artista Carlos Eduardo Carvalho e adquirir o livro Promessas, acesse a sua página no Instagram.

 Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

Fonte:

Omar Dimbarre

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