Com a Corda no Pescoço- Uma história hervalense

O colunista Omar Dimbarre relembra a história de um pai que trouxe amarrado o agressor de sua filha desde o interior até o centro de Herval.

, 3.061 visualizações
pp_amp_intext | /75894840,22657573340/EDER_LUIZ_AMP_02

O uivo do apito da Maria-Fumaça ecoava entre os morros que se erguiam ao lado do Rio do Peixe, enquanto chegava à estação ferroviária de Barra Fria, localizada a 18 quilômetros do centro de Herval d'Oeste. O ano era 1945; os caminhos que cruzavam a região ainda eram de terra batida, e os trilhos da estrada de ferro eram a melhor via para quem queria cruzar as fronteiras do município. 

Próximo à ferrovia, morava um casal de agricultores que, à custa de muito trabalho, estava lentamente construindo sua vida. Antônio e Maria saltavam da cama antes que os raios do sol despontassem no horizonte e só paravam de trabalhar quando a lavoura desaparecia atrás do véu negro que se debruçava sobre o vale, iluminado somente pela luz da lua e pelas estrelas que embelezavam o céu. Ana, sua pequena filha, era a semente que brotou da paixão que um dia os aproximou e uniu. 

Aos poucos, o casal conquistou uma vida melhor, mas o trabalho ficou árduo demais para os dois, e o desafio de cumprirem todas as tarefas diárias passou a exigir um esforço descomunal. 

Uma batida forte na porta da casa, anunciou a chegada de um desconhecido em busca de uma oportunidade de trabalho, e esse pedido representou naquele momento, a divisão do intenso cansaço que havia tomado conta de seus dias, e então, Chico Ferreiro o peão que chegava como se fosse a salvação da colheita, foi contratado. 

Chico aparentava ser uma boa pessoa; tinha um bom papo e parecia se preocupar muito com o bem-estar de Ana. Seu olhar costumava acompanhar as brincadeiras solitárias da menina, como a sombra que seguia os movimentos do seu corpo. 

Em uma manhã ensolarada, o casal precisou se deslocar até a cidade para abastecer a despensa com alimentos. Abraçaram carinhosamente e beijaram o rosto de Ana, deram algumas instruções sobre os cuidados que Chico Ferreiro precisava ter durante sua ausência e, com um sorriso estampado nos rostos, se despediram.

Subiram na carroça, e Antônio puxou levemente as rédeas, incentivando os cavalos a começarem a andar. Pegaram a estrada e foram tranquilamente conversando, falando sobre como Ana estava crescendo e se tornando uma menina bonita, além de ser educada e afetuosa com todos. Comentaram também sobre as boas expectativas para os anos seguintes e sobre a confiança que Ferreiro inspirava neles, e que, se tudo ocorresse conforme o idealizado, o peão também colheria os frutos do seu trabalho e cresceria na vida ao lado deles.

O dia estava bonito, e a viagem foi agradável. Chegaram à cidade entusiasmados, reencontraram amigos e trocaram frases animadas sobre o período fértil daquele momento. Compraram os alimentos e itens necessários e, com seu objetivo cumprido, retornaram para o interior. Quando chegaram, havia algo estranho no ar. O ambiente estava sinistro, carregado de um silêncio sepulcral.

O casal adentrou a casa e a encontrou vazia. Preocupados, começaram a chamar por Ana, mas não obtiveram resposta. Apreensivos com a situação, saíram e passaram a percorrer a lavoura, clamando pelo nome da filha. Mas nada, nenhuma palavra retornava. Os rostos do casal estavam tensos, os lábios apertados, e pensamentos trágicos começaram a povoar suas imaginações. O que havia, afinal, acontecido? 

pp_amp_intext | /75894840,22657573340/EDER_LUIZ_AMP_03

A encontraram agachada atrás de algumas árvores, abraçando o próprio corpo, em choque, com o olhar fixo no vazio, tremendo. Havia alguns arranhões em seu frágil corpo, e parte de sua camiseta estava rasgada.

A mãe vendo aquela cena triste, abraçou a filha, que desabou em prantos, chorando incessantemente. As lágrimas que brotavam de seus olhos eram como gritos de dor e desolação.

Ela queria falar, mas sua voz estava aprisionada e, quando finalmente se libertou, saiu trêmula, entrecortada por soluços desesperados, seguida por um grito de horror. O peão a havia agarrado e tentado violentá-la.

Uma dor descomunal invadiu e estraçalhou a alma dos pais. A mãe em prantos, abraçou mais fortemente à sua pequena, desejando trazer para si toda a dor que sua filha estava sentindo. 

O pai, consumido pelo ódio e decidido a fazer justiça com suas próprias mãos, foi atrás de Ferreiro. Iria até o fim do mundo para achá-lo, se fosse preciso. Encontrou-o, não muito distante, sentado sobre uma pedra, à beira do rio, olhando para as águas calmas que seguiam seu curso em meio à vegetação nativa que cobria suas margens. 

Apesar de não encarar o patrão nos olhos, não demonstrava emoções nem arrependimento, e nenhuma fala foi pronunciada quando foi golpeado, caindo dentro do rio ao som de palavras impregnadas de uma raiva colossal.

Enfurecido e com a força de um leão que protege sua alcateia, o pai pulou no leito d`água, agarrou brutalmente a camisa do agressor, arrastou-o para fora e, esbravejando, trouxe-o para casa aos empurrões. 

Apanhou uma corda e amarrou uma ponta no pescoço de Ferreiro, enquanto a outra ponta se prendia ao arreio do cavalo. Com um puxão brusco, iniciou a cavalgada até a cidade, arrastando o peão como se fosse um animal laçado, destinado ao abate.

A estrada que ligava Barra Fria a Herval d'Oeste se tornou cenário de uma jornada percorrida pela dualidade da natureza humana, em que o bem e o mal vivem em um eterno conflito, corrompendo comportamentos e valores éticos. 

Ao chegar ao seu destino, o pai atravessou toda a rua central, a Santos Dumont, puxando o facínora atrás de si. As pessoas paravam para testemunhar aquele espetáculo grotesco, enquanto Chico Ferreiro caminhava, tropeçava e se debatia em meio à poeira que se erguia do chão, formada pelos passos firmes do cavalo, que avançava lentamente. Em um determinado instante, Ferreiro tropeçou e caiu batendo fortemente com o rosto no chão, e este foi o único momento durante todo o percurso que sua voz rompeu o silêncio, e um grito de dor ressoou por toda a cidade. 

Ergueu-se com dificuldade, cambaleando, e, ao ficar de pé novamente, sua face estava coberta de feridas, de onde o sangue começou a jorrar, misturando-se à terra que havia grudado em sua pele e formando uma máscara marrom-avermelhada, como um símbolo de um ritual de morte violenta. 

Ao ouvirem o grito, moradores ávidos por cenas impactantes correram atônitos para as janelas de suas casas. Com olhares hipnotizados e pupilas dilatadas, em um misto de espanto, descrença e fascinação, como se fossem espectadores de uma tragédia shakespeariana, passaram a acompanhar a vingança de um pai cujo coração sangrava, com feridas profundamente abertas por uma punhalada desferida em seu peito por seu empregado de confiança, que jamais cicatrizariam.

pp_amp_intext | /75894840,22657573340/EDER_LUIZ_AMP_04

Chico Ferreiro foi humilhado publicamente, exposto ao total escárnio, como se fosse sepultado em vida, enterrando sua honra, dignidade e orgulho. Ao final dessa odisseia sombria e melancólica, com os ombros curvados, o corpo retraído, e a cabeça e o olhar voltados para o chão, ele foi entregue ao delegado em um espetáculo de vingança que ecoou pelas ruas de Herval d'Oeste por muito tempo. 

Embora inspirada em eventos acontecidos em Herval d'Oeste, esta obra é uma criação ficcional. 

Histórias Populares é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre.

Notícias relacionadas

O Nascimento de Jesus: Uma História que Transformou a Humanidade

Entenda os aspectos históricos, teológicos e culturais do nascimento de Jesus e seu impacto na civilização.

Avião da Embraer cai no Cazaquistão com 67 pessoas

Mais de 50 socorristas atuaram na local no acidente para a extinção do fogo e atendimento aos sobreviventes.

Três pessoas morrem após comer bolo no RS; suspeita é de envenenamento ou intoxicação

Corpos das vítimas foram levados para necropsia, que irá atestar causa da morte. Doce foi recolhido e também será analisado.