Bolinha - Uma História que se Entrelaça com a História Cultural de Joaçaba

Na primeira parte da reportagem, escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, conheça as origens de Antônio Carlos Pereira, o Bolinha.

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50 anos de Os Discos do Bolinha
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Quando uma história começa a ser escrita? Para muitos, o nascimento seria o ponto de partida, mas, se nossos pais não se encontrassem e se apaixonassem, não existiriamos. Nossa história têm raízes em nossas origens.

Seu Raul Anastácio Pereira e Dona Aniela Szubert Pereira

A comunidade rural de Medeiros, no interior de Barra Velha, estava em festa durante o sábado, dia 19 de outubro de 1935. O casamento de dois jovens moradores locais era o assunto mais comentado nas conversas da comunidade. Dois dias depois, em 21 de outubro, o jovem Raul completaria 19 anos.

Raul estava cansado daquela dura vida de saltar da cama quando os raios do sol começavam a despontar no horizonte e trabalhar exaustivamente até quando o breu da noite rebentava no infinito.

O pai, Seu Anastácio João Pereira, plantava arroz e era proprietário de uma serraria, de um engenho de açúcar e de um engenho de farinha. O trabalho na roça era árduo e pesado, e não era esse o objetivo de vida do jovem Raul, que idealizava buscar outro caminho para construir sua história.

Esse pensamento contrariava a vontade de Seu Anastácio, que planejava ter os filhos trabalhando ao seu lado. Para mudar essa trajetória, escrever um novo roteiro em sua vida, Raul arquitetou um plano de fuga.

Seu Raul e Dona Aniela

O momento em que a comunidade estaria reunida festejando o enlace matrimonial era o ideal para fugir sem que ninguém o interceptasse e impedisse a sua partida.

Um grandioso baile fechou as comemorações, e foi então que Raul começou a colocar seu plano em ação. Seu pai, ao notar que o filho não se animava em tirar alguma prenda para dançar, foi encorajá-lo a ir para o meio do salão.

O jovem aventureiro alegou que não podia dançar pois seu pé estava machucado, e em um momento de descuido dos seus progenitores, evadiu-se, foi para casa, apanhou algumas roupas, duas roscas de polvilho, o título de eleitor, e pôs o pé na estrada.O dinheiro para realizar a mudança de vida sonhada veio da venda de um porco de estimação, presenteado por sua madrinha no dia de sua crisma.

Raul adorava aquele ambiente; sua infância, sua juventude, os amigos conquistados e a família. Lembranças que um dia renderiam muitas histórias, contadas de forma afetuosa às pessoas que o rodeavam. Mas não gostava do trabalho pesado na roça. Sonhava mais alto.

Com o pé literalmente na estrada, precisava caminhar 62 quilômetros de Medeiros até a Estação Ferroviária de Joinville. Às 2:00 horas da madrugada, chegou ao rio Itapocu. Não havia ponte, e um bote fazia a travessia, mas o barqueiro, conhecido como “Cheiroso”, não queria atravessar porque o rio estava muito cheio. Então, o jovem destemido teve que inventar uma pequena mentira: disse que precisava comprar remédios para uma tia que estava doente, em Parati, atual cidade de Araquari. O barqueiro acreditou, e comovido com o relato que acabava de ouvir, atravessou as águas turbulentas do rio. Na outra margem, na hora de pagar pelo serviço, “Cheiroso” não tinha troco, então Raul se comprometeu a pagar na volta. Depois de um ano, quando retornou à sua terra natal, acertou sua pequena dívida.

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Depois de uma longa jornada, chegou em Joinville às 11:30 horas de domingo, e encontrou um conhecido que outrora havia sido comerciante em Medeiros, e que o convidou para almoçar e pernoitar em sua casa. No dia seguinte, dia 21 de outubro, na segunda-feira, dia em que completava 19 anos, saltou da cama e seguiu seu rumo.

O destino almejado era buscar abrigo na casa de sua tia Heraclides Pereira Guérios, irmã do seu pai, em Porto União. Com muitos sonhos pulsando em sua imaginação e uma vontade gritante de recomeçar sua vida, Raul apanhou o trem em direção ao planalto norte catarinense.

Ao chegar ao final do percurso traçado em sua mente, ele se deu conta de que sua história estava apenas começando a ser escrita e que não tinha as rédeas dela em suas mãos. O marido da tia, Antônio José Guérios, havia comprado uma gráfica em Joaçaba, a Tipografia Santa Terezinha, e eles estavam de partida para fixar suas raízes no meio-oeste de Santa Catarina. Essa gráfica pertencia a Osvaldo Pereira, tio de Raul, conhecido como tio Dodô, e a um cunhado dele.

Tio Dodô era também proprietário do jornal Cruzeiro, o primeiro periódico a circular em Joaçaba, em 1933. Era conhecido como um semanário incolor porque não tinha coloração política.

Raul, seguindo os passos de seus tios, no dia 29 de outubro de 1935, desembarcou na Estação Herval e se encantou pelo Vale do Rio do Peixe, com seus morros pincelados pelo verde da mata nativa. Atravessou a ponte e fixou suas raízes na cidade de Cruzeiro do Sul, sede do município de Cruzeiro, que futuramente viria a se chamar Joaçaba.

Essa data marcou profundamente sua vida, e todos os anos ele reunia a família no dia 29 de outubro, 8 dias após seu aniversário, para tomar um guaraná, comer um pastel e um bolo, e comemorar sua chegada em Joaçaba.

Em 1937, o irrequieto Raul concluiu que havia chegado novamente a hora de se aventurar. Arrumou suas malas e partiu em busca de novas vivências. Passou alguns dias matando a saudade de sua família em Medeiros e depois seguiu rumo a Joinville, onde trabalhou por quatro dias em uma gráfica. Posteriormente, dirigiu-se a Rio Negrinho, onde se empregou em uma fábrica de móveis por alguns meses. O jovem Raul sonhava em conhecer a Cidade Maravilhosa, e era essa a sua meta.

Acabou retornando a Medeiros e passou um tempo novamente com seus familiares. Enquanto estava no seio familiar, imagens das belas praias, dos morros, do Cristo de braços abertos, do Bondinho do Pão de Açúcar, insistiam em pulsar em sua mente. Sua imaginação voava alto. Uma noite, sem conseguir dormir direito, concluiu que não dava mais para adiar. Durante a madrugada, saltou da cama e resolveu que estava na hora de tornar seu sonho realidade. E lá se foi o destemido aventureiro correr atrás para concretizar seu desejo.

Caminhou 12 quilômetros até São João do Itaperiú, onde conseguiu uma carona com um caminhoneiro, e de lá foi até São Francisco do Sul. Embarcou no navio Carl Hoepcke e partiu; passou por São Sebastião e desembarcou em Santos, no litoral paulista, onde trabalhou alguns meses como garçom no Restaurante Coimbra. Finalmente, havia chegado a hora de ver de perto as imagens que tanto permeavam seus pensamentos; embarcou no navio Aspirante Nascimento e partiu para o Rio de Janeiro.

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Na Cidade Maravilhosa, conseguiu um emprego como ajudante de jardineiro na mansão de um casal de norte-americanos, perto do Cristo Redentor. Uma das imagens que embalavam seus sonhos juvenis agora estava ali, diante de seus olhos. Seu próximo emprego foi como porteiro do Edifício Corrêa Dutra, e ao iniciar sua jornada em seu novo trabalho, Raul foi arrebatado pela emoção ao descobrir que o inquilino do primeiro andar era o cantor Carlos Galhardo, um dos principais cantores da Era do Rádio, conhecido também como o Rei da Valsa, e que fazia um sucesso estrondoso na época. O presidente Getúlio Vargas tomando chimarrão, de colete e lenço branco no pescoço, atrás do Palácio do Catete, era uma imagem que todas as manhãs era captada pela retina de seus olhos. E assim como as outras tantas imagens que vislumbrou, ficou guardada eternamente em sua memória. Além de Carlos Galhardo, Raul conheceu Ângela Maria e Emilinha Borba, além de outros artistas que começaram suas carreiras na Rádio Nacional.

O próximo emprego do entusiasmado aventureiro foi em um bar da elite, na Rua do Ouvidor, esquina com a Rio Branco, onde os filhos dos ricaços cariocas amanheciam tomando whisky com suas namoradas. Raul não aguentou virar a noite acordado e foi trabalhar como cobrador de bonde na Light. Os fiscais, querendo lucrar em cima dos funcionários, extorquiam dinheiro dos cobradores para um cafezinho. Raul acabou entrando em conflito com um dos fiscais, foi suspenso por cinco dias, e quando retornou ao escritório para trabalhar, foi suspenso por mais quatro dias, o que o deixou indignado e o fez pedir a conta. O ano era 1942, Raul já estava há bastante tempo longe de casa, e a saudade da família e do estado onde nasceu bateu forte. Havia chegado a hora de retornar. Os trilhos da estrada de ferro eram novamente o caminho a seguir. Embarcou na Maria Fumaça e, após três dias de viagem, desembarcou na cidade que adotou como sua.

Em um final de tarde do ano de 1937, dois anos após a chegada de seu Raul, o som do apito anunciava a chegada da Maria Fumaça na Estação Herval. Entre os passageiros que desembarcaram na estação estava a jovem Aniela Szubert, que havia embarcado na Estação de Baliza, no município gaúcho de Gaurama, próximo a Erechim.

A minha mãe veio de lá de trem, e não esqueço dela contando que chegou de trem, e quando entrava em Joaçaba cruzando a ponte, o relógio da igreja bateu 6 horas da tarde.

Uma senhora que estava bastante doente e necessitando de cuidados especiais e dedicação foi o motivo que fez Aniela se deslocar para Joaçaba. Esta senhora, de nome Maria Custódio Pereira, era avó de seu Raul. Aniela chegou com uma missão na cidade no mesmo ano em que Raul partiu para se aventurar pelo mundo. Um desencontro que poderia jamais fazer com que seus caminhos voltassem a se cruzar. Em maio de 1938, Dona Maria Custódio deu seu último suspiro, encerrando a missão da jovem cuidadora na cidade.

Mas como se suas histórias estivessem destinadas a se entrelaçar, Aniela não embarcou no trem de volta para sua terra natal e permaneceu morando em Joaçaba na casa da irmã de seu Raul, até que o encontro, como se tivesse sido orquestrado pelo universo, acabou acontecendo.

Foi ali que eles se conheceram em 1942, quando ele voltou do Rio de Janeiro. Casaram em 1943.

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Raul e Aniela se conheceram, se apaixonaram e deste amor nasceram 7 filhos. Antonio Carlos Pereira, o Bolinha, foi o quarto a chegar.

Joaçaba Jornal

A história inicial dos meus pais é esta. Aqui meu pai teve um jornal chamado Joaçaba Jornal, fundado em 1949 e encerrado em 1951. Eu tenho alguns exemplares do jornal. E uma curiosidade: na capa do jornal sempre havia a programação do Cine Imperial e do Cine Progresso, que ficava na XV. O Cine Imperial era do seu Bruno Cantergiani, onde hoje é a galeria Trevisan. Já o Cine Progresso ficava na Avenida XV e no jornal tinha a programação do mês de setembro. Dois meses depois, tinha a programação do Cine Rex. Perguntei a meu pai que cinema era este, Rex.. - Não é um novo cinema, não. É o mesmo cinema que era o Progresso. Mas o Vitor Leduc, que era o proprietário, vendeu para uma rede de cinema do Senhor Murita de Curitiba e colocou o nome de Cine Rex, que era o mesmo Cine Progresso. Uns dois anos depois, este cinema pegou fogo porque incendiou uma loja de calçados que havia ao lado. Embora o caminhão-pipa da prefeitura tenha apagado o incêndio na loja de calçados, não conseguiu evitar que o fogo se alastrasse para o cinema. Tinha umas 400 a 500 poltronas de madeira, e o cinema foi completamente consumido pelo fogo. O prefeito José Waldomiro Silva adquiriu a propriedade e o terreno de seu Vitor Leduc para expandir a prefeitura municipal, que já havia sido queimada em 1943, pois era também um prédio de madeira. Seu Waldomiro inaugurou o prédio que temos até hoje da Prefeitura de Joaçaba em 1954. Em 1955, ele foi eleito deputado estadual e, por isso, renunciou ao cargo de prefeito. Naquela época não existia a figura do vice-prefeito, então o presidente da Câmara de Vereadores, Benevenuto César Branco, assumiu o cargo. O prefeito seguinte foi Albino Biaggio Sganzerla (pai do nosso premiado cineasta Rogério, o maior nome da cultura catarinense), e em 1955 Seu Albino realizou aqui a Festa Nacional do Trigo, que marcou época.

Cine Progresso

Bolinha – Primeiros Anos

O dia 18 de outubro de 1950 marcou o nascimento do quarto filho do casal Raul e Aniela. Bolinha chegou ao mundo em casa, através das mãos acolhedoras da parteira Ana Blumberg, responsável também pelo parto de seus irmãos.

Dona Ana era uma figura bastante peculiar e transitava pelas ruas da cidade montada em seu cavalo, usando bombachas longas e portando uma arma para se proteger, pois muitas vezes era chamada para fazer partos no interior e precisava passar solitariamente por locais completamente isolados, correndo o risco de se deparar com algum bandido em seu trajeto. Destemida, sem medo de nada, saía preparada para enfrentar os perigos que poderiam cruzar seu caminho.

Infância

A jornada lúdica e fascinante que atravessa a infância, época de correr, pular, jogar bola, imaginar, criar, viver intensamente a vida sem se preocupar com o dia seguinte, foi marcada por aprendizados e obrigações inerentes aos adultos. Bolinha começou a trabalhar cedo, e pouco tempo sobrava para desfrutar dos tenros anos da melhor fase da vida.

Eu pouco participava de brincadeiras de rua por que a gente sempre ajudou em casa. Meus pais tinham um comércio em casa. A livraria era na frente onde era a Ana Flores, e nos fundos a casa, e atrás da casa, era a tipografia. Então, a gente ficava ajudando. Eu com 8 anos ajudava em um negócio chamado emblocação. Emblocação é intercalar as vias para fazer o bloco de notas. Colocava segunda via, primeira via, segunda via, primeira via. Segunda via papel jornal, primeira via papel sulfite. Com o cuidado da numeração coincidir. Então, isto faz adquirir disciplina e responsabilidade. Você tem que cuidar. Você não pode deixar a nota fiscal com número 52, e embaixo a número 50 ou 51. Tem que ser coincidente para ser um registro fiel. Então, tem que emblocar certinho. Meus irmãos mais velhos Carlos José e Ana Maria também ajudavam na tipografia. Então, eu tinha 8 anos, ele tinha 13 e ela 14.“ 


nos anos 60 Aniela e Antonio Carlos apreciam um torcedor do Atlético vibrar com a conquista do

A Era do Rádio

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O rádio foi o principal veículo de comunicação de massa no Brasil entre as décadas de 30 e 60. A televisão chegou ao país em 1950, mas só se popularizou em 1970. O rádio foi fundamental para a formação cultural do povo brasileiro nesse período, difundindo a música popular brasileira, fornecendo informações sobre os principais acontecimentos nacionais e mundiais, além de proporcionar entretenimento para as famílias, que costumavam se reunir em seus lares para acompanhar os diversos programas, incluindo shows musicais, programas de auditório, radionovelas e programas de variedades.

Em 1958, o primeiro da família Pereira que saltava da cama, ligava o rádio e sintonizava na Mayrink Veiga do Rio de Janeiro, ou na Rádio Bandeirantes de São Paulo. Aos domingos, era vez de sintonizar no Grande Rodeio Coringa, um programa de auditório transmitido pela Rádio Farroupilha, de Porto Alegre. A família se reunia à espera das atrações comandadas por Darcy Fagundes e Luiz Menezes. O espetáculo era dividido em cinco invernadas: Duplas ou Trios, Poetas ou Declamadores, Humorismo, Músicos e Trovadores, e tinha uma enorme audiência na região, tendo em vista a grande quantidade de moradores que migraram do Rio Grande do Sul e que conservavam a tradição gaúcha. Os lares da região também eram inundados pelas ondas sonoras transmitidas pela Rádio Gaúcha e pela Rádio Guaíba.

Educação

O mundo do conhecimento começou a ser descortinado para Antonio Carlos Pereira no Grupo Escolar Roberto Trompowski, atualmente Centro Educacional Roberto Trompowski – CERT, em Joaçaba.

“Eu fui matriculado no Grupo Escolar Roberto Trompowski e frequentei ali o primário. Era uma construção diferente do que é hoje; era em formato de C. Nós tínhamos um campinho para jogar bola, um pátio enorme para brincadeiras no recreio. Aos sábados, tínhamos grêmio estudantil, com alunos que iam lá cantar e recitar poesias. E não havia outra atividade. Não havia televisão ou celular para distrair as pessoas. Então, a infância nos anos 50 e 60 era muito diferente. Dá a impressão que se vivia mais plenamente.”

Naquela época, ao término do quarto ano do ensino fundamental, era realizado um exame para admissão na primeira série ginasial. Quem reprovasse fazia o quinto ano primário. Bolinha foi aprovado, e sua nova escola passou a ser o Colégio Marista Frei Rogério.

“Eu estudei então no Colégio Marista, em 62, 63 e 64. Lembro-me que quando estourou a Revolução de 31 de Março, que foi em primeiro de abril, nós não tivemos aula. Fomos dispensados da aula e ninguém sabia por quê. Para nós, era motivo de festa burlar a aula. Naquele ano, reprovar em matemática fez meus pais me retirarem do Marista, por terem reprovado o filhinho deles. O único da família, a ovelha negra, o único dos sete irmãos que reprovou, fui eu.“

Antonio Carlos Pereira completou o ginásio no antigo Colégio Cenecista Joaçabense – CNEC, atual Colégio Conexão, onde acabou formando-se em Técnico em Contabilidade, em 1969. Após o curso concluído, uma doença acometeu a professora de inglês Tecla Krick, e Bolinha foi convocado pela dona Iracema Ramos e pelo seu marido, Dr. Homero, secretária e diretor do colégio, para substituí-la provisoriamente. O educando acabou tornando-se educador.

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“Das minhas aulas, tenho amigos, porque alunos viraram amigos, que até hoje comentam que lembram com saudades das minhas aulas de inglês porque eu tinha o costume de levar uma fita, um gravador cassete com uma música, e eu passava a letra da música na sala de aula e a tradução, e as lições eram em cima da letra da música.

Mas, eu não servia para professor, eu não servia para dar aula, porque tinha dó dos alunos e aprovava todo mundo. Naquele tempo não havia asfalto em nenhuma cidade da região, era estrada de chão. Vinham alunos de Jaborá, de Capinzal, de Erval Velho, às vezes pegando carona depois de trabalhar o dia inteiro, para vir até Joaçaba, porque a carona de volta era garantida. Eles vinham da forma que conseguiam, para chegar a tempo para a aula. Às vezes chegavam atrasados. Como você reprova em inglês alguém que vem para a aula com sacrifício e só quer estudar para mais tarde ter uma profissão para sustentar sua família? Então, decidi que eu não servia para dar aula. Mas, conservo boas amizades daqueles alunos e colegas professores.“

Em 1974, Bolinha conquistou a sonhada vaga para a Universidade, passando no vestibular de Administração de Empresas da Unoesc, graduando-se no ano de 1978.

Banco do Brasil

Trabalhar no Banco do Brasil na década de 70 era o sonho de muitos jovens, pois a estabilidade e o salário bem remunerado outorgavam uma posição prestigiada na sociedade brasileira.

“Eu entrei no banco em fevereiro de 71. Já tinha uma profissão e podia abrir mão de dar aula. No CNEC, além da família toda do Dr. Homero, como o filho Tabajara e sua esposa Orilene, conservo boas amizades até hoje, como o Clóvis Dolzan, que foi meu colega também no Banco do Brasil e é padrinho da minha filha mais velha, Caroline, e outras tantas pessoas, o falecido Willy Fabro e o Júlio Cesar Thomaz, que também era professor e depois publicou o Jornal Cidadela, para o qual eu colaborava escrevendo uma coluna, intitulada “Festival de Sons”, sobre Cultura. Enfim, era como eu falei, eram outros tempos. As amizades pareciam mais duradouras.

Bar e Café Itajaí

Bar e Café Itajaí

Em 1963, Seu Raul cansou-se do serviço da tipografia e resolveu dar mais uma guinada em sua vida. Vendeu o maquinário da tipografia para a gráfica do Ivo Trevisan e instalou o Bar e Café Itajaí, localizado onde mais tarde seria a Floricultura Ana Flores, propriedade da irmã de Bolinha, ao lado da ACIOC.

A paixão pelo futebol no país estava no auge. O Brasil tinha vencido duas Copas do Mundo seguidas, e em Joaçaba, as pessoas vibravam com as partidas dos dois times da casa: Atlético e Comercial tinham uma grande rivalidade e disputavam o Atlecial, uma espécie de Grenal do meio-oeste catarinense.

Atleticano de coração e alma, com duas gestões como presidente do clube, Seu Raul transformou seu estabelecimento em um ponto de encontro de torcedores e jogadores do Atlético. O Bar e Café Itajaí era o Bar do Atlético, e com apenas 13 anos de idade, Antonio Carlos Pereira abraçou a profissão de garçom. Tinha a responsabilidade de ajudar seu pai a garantir que os clientes fossem bem atendidos e saíssem satisfeitos. O local foi se firmando não só como um ponto de encontro para apaixonados por futebol, mas também como um espaço onde casais de namorados trocavam juras de amor, e bancários e funcionários das duas rádios desfrutavam de seus momentos de lazer.

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O Bar foi inaugurado no dia 23 de novembro de 1963, um dia após o assassinato do presidente norte-americano John Kennedy, fato bastante marcante para Antonio Carlos.

Bar do Comercial

“O Bar do Comercial era na frente da prefeitura, onde depois foi a Plasticolar, do seu Hugo Toscan.

Hervalense

“E em Herval d´Oeste tinha o Hervalense, que era um clube também muito valoroso, e ajudava a decidir o título. Eram só 3 times. O time que perdesse algum ponto para o Hervalense e ganhasse do adversário, era campeão.“

Jogos de Futebol

Ser jogador de futebol no interior na época era uma questão de amor pelo esporte. Os jogadores não recebiam salário, apenas um “bicho” quando o resultado era positivo, e precisavam trabalhar em um emprego que permitisse se ausentar caso o time precisasse. A ausência de uma remuneração era compensada pela alegria contagiante que tomava conta da cidade quando acontecia algum jogo. Uma partida de futebol era um evento festivo, comemorado pelos jogadores e pela população.

“Meu pai contava que quando times de fora vinham jogar aqui, chegavam de trem. Vinham de Caçador, de Videira, e já próximo de Herval d´Oeste, o chefe do trem sabia que estava transportando um time de futebol e o maquinista tocava prolongadamente aquele apito na chegada. Então, aqui o time que ia receber o visitante soltava um foguetório para anunciar a chegada dos atletas que naquela tarde iriam jogar bola no Estádio Municipal Oscar Rodrigues da Nova. Este estádio foi inaugurado em 1951 e teve seus dias de glória, porque os times do litoral também vinham jogar aqui.

O Comercial, inclusive, foi vice-campeão estadual na metade da década de 1960, quando o campeão foi o time da Perdigão. Mas era um time bancado pela empresa Perdigão, ao contrário do Comercial, que lutava com suas próprias forças. Foi um feito memorável.

E os atletas, alguns vinham de fora, mas muitos eram formados aqui mesmo. Alguns que vinham de fora acabavam ficando por aqui, morando na cidade. O forte dos clubes locais era a base local mesmo, com atletas como Valódia Wozniack, Délcio Tesser (o Taxinha), os irmãos Carlinhos e Vicentinho, Clóvis dos Santos, o barbeiro Babá, o Poleto, e o Valdinho Valdemar Simi, que foi treinar em Porto Alegre em um clube de expressão nacional, mas, por saudade da noiva, largou tudo e voltou.

Tivemos muitos valores por aqui, atletas que trouxeram muitas alegrias nos anos 60 e 70. Depois, esses clubes foram acabando por falta de profissionalismo. Quando o INSS resolveu cobrar os atrasados, ninguém tinha dinheiro em caixa para fazer o recolhimento dos impostos atrasados. Os times foram falindo. Na metade da década de 70 em diante, começaram a surgir os clubes mais recentes, como o JEC (Joaçaba Esporte Clube) e o JAC (Joaçaba Atlético Clube). As cidades da região também tinham seus times, como Concórdia com o Sadia e Capinzal com o Vasco da Gama e o Arabutã. Havia times disputando o campeonato regional, que classificava para o estadual. Eram outros tempos. Hoje nem estádio, nem campo existem mais.“

Passatempo

Frequentar o cinema era algo cultural em um passado não muito distante. Casais de namorados trocavam carícias no escurinho da sala, e amigos se reuniam para assistir a um filme juntos. Nas matinês dos domingos dos anos 60, as crianças trocavam gibis antes da sessão começar. As festinhas de garagem eram comuns, era algo cultural.

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“Nosso passatempo era cinema, um virtual bailinho no final de semana. Não bailão de clube, bailinho mesmo, de garagem. Onde reuníamos os amigos com som mecânico. As meninas traziam salgados e os rapazes levavam a bebida, geralmente refrigerante, mas sempre alguém trazia um litro de alguma bebida alcoólica para a festinha ficar mais animada. Era o final dos anos 60 e década de 70.

Era tradicional naquele tempo, sábado à noite e domingo de manhã, programas de auditório. Lá havia trovadores, cantores e músicos. As duas rádios que tinham auditório, lotavam. A Catarinense, por um tempo, funcionou onde era a Pizzaria Destac, em frente à Gráfica Cruzeiro, da família Baretta, e ao lado, o cinema. Aliás, a rádio funcionou no mesmo prédio onde morava a família Cantergiani, dona do Cine Imperial, carinhosamente chamado de Pulgueiro do Bruno.

Cinema

“No Cine Imperial, as sessões de cinema eram muito animadas e divertidas. O antes do cinema era importante. A sessão começava às 20h15min no sábado, e às 19 horas já tinha gente circulando, desde a esquina do Bonato até a esquina onde hoje está a Receita Federal. Eram duas quadras, e as pessoas caminhavam de um lado para o outro, conversando com amigos. Namoros começavam ali. Muitos casamentos existiram por causa desses encontros. As meninas passavam em grupo, e os rapazes também em grupo, mas sempre dava para piscar o olho.

Depois, com o Cine Vitória, isso mudou para a Avenida XV. Em 1961, o Dr. MiguelRussowsky inaugurou o cinema mais luxuoso do estado, o Cine Vitória, que tinha 1670 poltronas estofadas, o que era uma novidade, porque no cinema do Bruno eram poltronas de madeira. O Dr. Miguel fez um cinema moderno e luxuoso. Era o melhor e o maior cinema do estado na época. Com isso, o outro cinema fechou. A circulação passou a ser da esquina do Bonato até onde hoje é a Loja Colombo, na esquina do Bradesco, porque ali era o Cine Vitória.

Em 1967, quando restava apenas aquele cinema, o Dr. Miguel inaugurou outro cinema, para fazer concorrência consigo mesmo. Antes que alguém mais fizesse, ele logo construiu o Cine Avenida. O era a loja Schurman. Foi um cinema também muito frequentado, onde filas se formavam no lançamento. O cinema é muito marcante na história de vida das pessoas.“

Rádio Catarinense e Rádio de Herval d´Oeste

Rádio Herval d´Oeste

Além da Rádio Catarinense, inaugurada em 1945, a Rádio de Herval d´Oeste, desde 1956, também localizava-se no município de Joaçaba, no local onde hoje estão sediadas as Lojas Leve, antes ocupado pelo Restaurante Sayonara. Programas de calouros e de auditório marcaram a época conhecida como A Era do Rádio. Os programas atraíam milhares de ouvintes e as duas rádios possuíam auditório. 

Os Discos do Bolinha

Os Discos do Bolinha

Os Discos do Bolinha

Apaixonado por música, Bolinha aproveitava a presença dos locutores das duas rádios no Bar e Café Itajaí para solicitar que algumas de suas músicas preferidas fossem tocadas em seus programas. Um desses locutores era Silvio Fortini, funcionário do Banco Besc, que acabou convidando-o para comandar seu próprio programa.

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“Então, Silvio Fortini disse: 'Por que você não vai lá tocar essas músicas, já que gosta tanto?' E eu, como dizia Raul Seixas – inocente, puro e bobo – perguntei: 'Mas vocês deixam?' Ele disse: 'Ah, se você está disposto a abrir a rádio domingo às 8:00 horas da manhã, que ninguém gosta de pegar este horário, pode ir.'

Fui. Levei meus discos embaixo do braço. Era só meia hora no começo. Mas, graças a ter esse espaço no rádio, que era só aos domingos às 8:00 horas da manhã, e as pessoas ouviam rádio porque não tinha televisão na cidade, o programa rapidamente se popularizou. 'Que nome eu coloco no programa?' E alguém sugeriu: 'Ah, chamam ele de Bolinha, coloca Discos do Bolinha.' Ficou Discos do Bolinha até 2016... 50 anos.”

As manhãs de domingo passaram a ser embaladas pelo fascínio que um adolescente de 16 anos nutria pela música. Os discos que giravam no toca-discos no estúdio da rádio, espalhando sonoridade pelos lares dos joaçabenses, hervalenses e luzernenses, faziam parte de sua coleção particular. As emissoras naquela época trabalhavam com contratos com as gravadoras, com um acervo restrito ao que decidiam que deveria rodar Brasil afora. Antonio Carlos quebrou este paradigma, tocando as músicas que o cativavam.

O anseio daquele garoto em ouvir suas músicas preferidas tocando na rádio se concretizava de uma maneira não imaginada. Bolinha tinha um programa só seu. 'Os Discos do Bolinha' marcaram uma época e se estenderam por cinco décadas. O primeiro programa foi ao ar em 23 de outubro de 1966, e a despedida aconteceu em 27 de outubro de 2016.

“Eu falo do começo, quando comecei a fazer o programa, que foi em 1966. Eu tinha acabado de completar 16 anos. No dia 23 de outubro de 1966, comecei a fazer o programa na Rádio Herval d´Oeste. Ela funcionava em cima do que hoje são as Lojas Leves. Por muitos anos ali foi a Farmácia Indiana. Era no andar superior, tinha um auditório, como todas as rádios daquela época.

Então, graças a ter um espaço numa emissora de rádio do interior de Santa Catarina, eu tinha acesso aos cantores que vinham para cá. E na época, vinham muitos cantores para Joaçaba.”

Continua na Parte 2...

Cultura em Cena é uma coluna escrita pelo produtor cultural Omar Dimbarre, para destacar o que se faz no meio cultural da região.

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