A devastadora praga de gafanhotos que arrasou plantações e a economia de Joaçaba e Herval e do Sul do Brasil em 1946

Depoimentos de pessoas que viveram o flagelo de perto e a cobertura da mídia nacional na época dão a dimensão exata dos fatos.

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Combate improvisado aos gafanhotos no RS nos anos 1940 com vara de madeira (Foto COLEÇÃO EDUARDO JAUNSEM, JUÍ)
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Um capítulo da história do Sul do Brasil, quase esquecido, foi resgatado a pedido do Portal Éder Luiz nesta reportagem pelo produtor cultural Omar Dimbarre. Trata-se da grande praga de gafanhotos que assolou a região em 1946. As primeiras informações mostravam que o fenômeno foi impressionante, mas as pesquisas feitas por Omar, que fazem parte do projeto do documentário “Contadores de Histórias 2 – Moradores de Herval d´Oeste”, contemplado no edital da Lei Paulo Gustavo do município de Herval d´Oeste, dão uma dimensão quase bíblica aos fatos. Tamanha foi a devastação causada pelos insetos, que famílias perderam tudo o que haviam plantado, pessoas adoeceram ou entraram em depressão e as cenas jamais deixaram a memória de quem viveu tudo.

Os relatos das testemunhas oculares estão sendo filmados como parte do projeto do documentário, que em breve será lançado. Os depoimentos de moradores da região Meio-Oeste de Santa Catarina dão a real dimensão a tudo e colocam a nossa imaginação frente a frente com as enormes e assustadoras nuvens de gafanhotos que cobriam o céu e encobriam o sol.

O início da grande devastação

Em 1946, imensas nuvens de gafanhotos formadas na área desértica do Chaco, localizada entre as divisas da Argentina, Bolívia e Paraguai, começaram a rumar para o sul, chegando em julho nas provincías de Corrientes e Santa Fé, na Argentina, e em 17 de agosto, a primeira nuvem, medindo 6 quilômetros quadrados de diâmetro, cruzou a fronteira do Uruguai com o Brasil, entrando no município gaúcho de Quaraí. Após destruírem as plantações, seguiram rumo ao município de Alegrete.

No dia 29 de agosto, novas nuvens de gafanhotos tomaram os céus de Quaraí. Algumas dessas nuvens cobriram extensões superiores a 8 quilômetros. O trem que partiu de Quaraí para Alegrete foi obrigado a parar 2 vezes, por causa da grande quantidade de gafanhotos sobre a linha férrea.

No dia 06 de setembro, uma imensa nuvem de gafanhotos, após passar dias devorando as plantações do município de Uruguaiana, alçou voo, e retornou para a Argentina.

No dia 17 de setembro, novas nuvens de gafanhotos atingiram as cidades de Uruguaiana, Quaraí e Alegrete.

Um quilômetro quadrado de gafanhotos abriga cerca de 40 milhões de insetos, e eles comem o equivalente ao que 2 mil vacas, ou 35 mil pessoas consomem. Quando a alimentação acaba, eles alçam voo novamente. São capazes de viajar até 150 km em um dia.

A nuvem de gafanhotos se desloca à procura de alimentos, e conforme as condições favoráveis que encontram pelo caminho, como tempo quente e vento. Os insetos voam durante o dia, e a noite pousam onde geralmente encontram comida suficiente.

Após destruírem as lavouras da região fronteiriça, as nuvens contendo milhões de gafanhotos, cruzaram o estado do Rio Grande do Sul, devorando as plantações que estavam em seu caminho, seguindo em direção ao norte.

Conforme a historiadora Valéria Dorneles Fernandes, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 50 municípios gaúchos reportaram perdas em cultivos de feijão, milho, arroz, trigo e outros plantios. Em termos econômicos, a praga de 1946, foi a de maior impacto da história.

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Os municípios gaúchos mais atingidos pela calamidade foram Uruguiana, Quaraí, Alegrete, Sarandi, e nos municípios de Santiago, Santo Angelo, Ijuí, Tupanciretã, Cacequi e Marcelino Ramos, além da destruição das lavouras, houve também desova.

Joaçaba e Santa Catarina 

Em 1946, o município de Joaçaba era formado também pelos atuais municípios de Herval d´Oeste, Água Doce, Catanduvas, Vargem Bonita, Herciliópolis, Ibicaré, Treze Tílias, Irani, Jaborá, Luzerna, e Ponte Serrada, e era um grande produtor de trigo.

A imprensa do Rio de Janeiro deu ampla cobertura ao que aconteceu no Vale do Rio do Peixe. O jornal A Noite, extremamente popular na época, sendo o único vespertino da cidade a alcançar a marca de 200 mil exemplares, fundado em 1911 pelo jornalista Irineu Marinho, e propriedade do Governo Federal a partir da década de 40, encabeçou esta cobertura, dando grande destaque para o que acontecia na região de Joaçaba. O popular jornal encerrou suas atividades em 1957

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Além de várias matérias citando o município, o nome de Joaçaba esteve presente em 6 chamadas de capa do jornal. As nuvens de gafanhotos que passaram por Joaçaba e pelo Vale do Rio do Peixe, também foram destaque nos jornais A Manhã, Jornal do Brasil, Correio da Manhã, Diário Carioca, Diário da Noite, e na revista Eu Sei Tudo; todas publicações da cidade do Rio de Janeiro. Publicações de São Paulo e do Paraná, também deram destaque ao acontecimento.

Cronologia dos Acontecimentos: 

  • 13/09 - Uma imensa nuvem de gafanhotos chegou e baixou no município de Joaçaba.
  • 14/09 –
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    Após destruírem parte das plantações, os gafanhotos levantaram voo e seguiram pelo Vale do Rio do Peixe em direção ao norte do estado.
  • 18/09 - Novas nuvens de gafanhotos sobrevoaram a região de Joaçaba, escurecendo o céu. Canoinhas foi invadida por gafanhotos, baixando nuvens em 50% da área do município.
  • 19/09 - Pelo terceiro dia consecutivo, uma nuvem de gafanhotos devastava Tangará, destruindo os trigais do município. Intermináveis ondas de gafanhotos assolavam Rio das Antas.
  • 21/09 – Um agrônomo de Santa Catarina comunicou ao diretor do Instituto Biológico de São Paulo, que uma colossal nuvem de gafanhotos, com 100 quilômetros de comprimento por 60 quilômetros de largura, avançava rapidamente, e chegaria em breve ao estado de São Paulo.          
  • 22/09 – Canoinhas é novamente invadida por uma nuvem de bilhões de gafanhotos.
  • 23/09 - Os gafanhotos começavam desovar em Joaçaba. O trem, entre as estações de Piratuba e Barra do Leão, “patinou“  sobre as rodas nos trilhos, chegando na Estação Herval com três horas de atraso.
  • 24/09 - A comunidade hervalense da Barra Verde, encontrava-se completamente arrasada pelos gafanhotos. Uma nova e gigantesca nuvem passou por Joaçaba, em direção ao norte. Em Canoinhas, tudo que era planta, arbusto, folha, estava destruído. As locomotivas dos trens que trafegavam na linha Porto União-Marcelino Ramos “patinavam“ nos corpos dos gafanhotos que estavam sobre os trilhos.
  • O Senhor João Brasil, viajante comercial que se encontrava em Joaçaba, deu a seguinte declaração para o jornal A Cidade, de Blumenau: “Bilhões e bilhões de gafanhotos se sucediam em nuvens compactas escurecendo o sol. O movimento que faziam ao pousar no solo, enquanto outros passavam por cima, fornecia a impressão de imenso rolo em continua atividade. No solo, os gafanhotos devoravam todas as espécies de folhas verdes. Imagina-se aí os enormes estragos causados à lavoura daquela próspera zona. Muitos agricultores ao verem as searas destruídas, chegaram a derramar lágrimas“.
  • 27/09 - Uma nuvem de gafanhotos pernoitou entre Catanduvas e o distrito de Santa Helena e a comunidade de Santa Clara, pertencentes a Joaçaba, e em uma área aproximada de 300 quilômetros quadrados, ficaram apenas os vestígios das lavouras. Uma imensa nuvem de gafanhotos passou por Campos Novos, voando em direção ao sul. Técnicos paulistas concluíram que a nuvem de 100 quilômetros de comprimento por 60 quilômetros de largura, notificada por um agrônomo catarinense, era maior do que se supunha: a dimensão era de 100 por 100 quilômetros.
  • 28/09 – A impressionante nuvem que havia pernoitado entre Catanduvas, Santa Clara e Santa Helena, levantou voo. A nuvem tinha uma extensão de 20 quilômetros de comprimento por 40 quilômetros de largura, e levou 5 horas para se deslocar e seguir viagem. Milhões de gafanhotos voltaram a assolar Piratuba, e a comunidade da Barra do Leão, pertencente ao município de Campos Novos.
  • 01 à 03/10 - Durante 3 dias seguidos, imensas nuvens de gafanhotos cobriram os céus de Joaçaba, seguindo em direção ao norte.
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    As nuvens que passavam por Joaçaba seguiram pelo Vale do Rio do Peixe, atingindo Tangará, Videira, e Caçador, e na sequência invadiram Porto União, Canoinhas e Mafra e depois atravessaram o estado do Paraná, até chegar ao sul de São Paulo, ou ao Mato Grosso do Sul.
  • 04/10 – Nova onda de gafanhotos atingiu Videira e Caçador. Uma nuvem de gafanhotos desceu a serra, e chegou em Jaraguá do Sul. Gafanhotos desovaram em Porto União, e uma grande nuvem se deslocou do município para o Paraná. 
  • 06/10 – Os gafanhotos chegaram em Joinville. 
  • 10/10 - Uma nova nuvem, de uma espécie diferente de gafanhotos, listrados, invadiu Joaçaba. As plantações nos municípios de Joaçaba, Campos Novos, Concórdia, Videira, Caçador e Porto União estavam completamente arrasadas.
  • 15-10 – Gafanhotos desovaram em Tangará.
  • 20/10 - O céu joaçabense novamente escureceu, tomado por uma nova grande nuvem de gafanhotos, que passou rumando para o norte.
  • 23/10 - Saltões (assim são conhecidos os gafanhotos em sua fase de ninfa, após a eclosão dos ovos, e ainda sem asas) nasceram nos municípios de Joaçaba, Caçador, Concórdia, Curitibanos e Porto União. Calculou-se na época, que o número de indivíduos fosse de 300 milhões por hectare. O cálculo foi baseado na coleta de 360 cartuchos em um metro quadrado de terra catarinense. Cada cartucho possuía em média 80 ovos.
  • 24/10 – Em Joaçaba, a situação era de calamidade pública. Em Concórdia, os campos foram reduzidos à terra devastada. Uma nuvem de gafanhotos chegou em Mafra. No estado de Santa Catarina, 50.000 hectares tinham sido atingidos, e 60.000 toneladas de trigo tinham sido destruídas.
  • 28/10 – Gafanhotos desovaram em Videira. Nasceram saltões em Canoinhas, Três Barras e Campos Novos.
  • 30/10 - Uma matéria no jornal A Manhã, do Rio de Janeiro, informou que a área total de desova no município de Joaçaba foi de 1.542.300 metros quadrados, ou 154,23 hectares. Considerando-se os cálculos efetuados, mais de 46 bilhões de gafanhotos nasceriam nesta área de desova. Em todo estado de Santa Catarina, principalmente no Vale do Rio do Peixe, foram encontrados ovos dos insetos em 3.000 propriedades agrícolas. Técnicos do Ministério da Agricultura informaram que a nova geração que viria depois da desova, seria 3 vezes maior do que a geração que passou pelo sul destruindo as lavouras.
  • 05/11 - Trabalhos de combate à praga iniciaram nos municípios de Joaçaba, Campos Novos, Concórdia, Caçador, Videira. Curitibanos, Canoinhas, Mafra e Porto União.
  • 06/11 – Saltões apareceram em Piratuba, e no distrito camponovense de Barra do Leão.
  • 09/11 - Enquanto o solo era tomado por bilhões de saltões, os gafanhotos listrados invadiram novamente a região de Joaçaba

Toda região produtora de Trigo em Santa Catarina, envolvendo os municípios de Joaçaba, Concórdia, Campos Novos (que abrangia também os atuais municípios de Piratuba, Ipira, Ouro, Capinzal e Erval Velho), Caçador (que abrangia o atual município de Rio das Antas), Porto União, Canoinhas (que abrangia os atuais municípios de Papanduva, Major Vieira e Três Barras), e Mafra, foi devastada pelos gafanhotos.

Fim do combate aos saltões:

05/01/1947 - Terminada as operações de combate aos saltões nos municípios de Porto União, Mafra e Curitibanos, e praticamente concluídas nos municípios de Joaçaba, Campos Novos e Concórdia. Em Videira, Caçador e Canoinhas os trabalhos prosseguiram, e encerraram no final de fevereiro de 1947.

Municípios catarinenses atingidos pelos gafanhotos.

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Alguns destes municípios, em 1946, eram distritos de outros municípios, e a imprensa geralmente citava o município, e algumas vezes, a localidade ou o distrito. Os municípios catarinenses atingidos pela Praga de Gafanhotos de 1946, são estes: Joaçaba, Herval d´Oeste, Luzerna, Capinzal, Ouro, Piratuba, Ipira, Campos Novos, Lacerdópolis, Curitibanos, Anita Garibaldi, Catanduvas, Vargem Bonita, Concórdia, Ibicaré, Treze Tílias, Tangará, Videira, Rio das Antas, Caçador, Porto União, Canoinhas, Três Barras, Major Vieira, Mafra, Jaraguá do Sul, e Joinville. A região do Vale do Rio do Peixe, foi a grande atingidas no estado.

Paraná

No Paraná, a onda de gafanhotos chegou no dia 26 de setembro, atingindo o município de Lapa, causando grandes estragos nas plantações.

O jornal Correio da Manhã, do Rio de Janeiro, noticiou o combate aos gafanhotos. que incluiu militares vindos de São Paulo, e se concentrou na região do município de Irati, localizado no sudeste do estado. Até lança-chamas eram utilizados para tentar exterminar os gafanhotos. A reportagem relatou que o município de Rio Azul, distante 34 km de Irati, havia sido tomado pelos gafanhotos, e que a quantidade dos insetos era tão grande, que as ruas chegaram a ficar intransitáveis.

Irati era um dos grandes produtores agrícolas do Paraná na década de 40, e alguns lavradores desesperados com a devastação de suas lavouras, se suicidaram. Uma nuvem de gafanhotos cobriu uma área de 80 quilômetros de comprimento por 60 quilômetros de extensão, tendo retido por 3 horas um trem de passageiros, que chegou em Curitiba coberto de gafanhotos, atraindo várias pessoas curiosas, espantadas com a cena cinematográfica que seus olhares vislumbravam.

Destruíram também as plantações de Lapa, Rio Negro, São Mateus do Sul, São João do Triunfo, Rebouças, União da Vitória, Imbituva, Guarapuava, Paulo Frontin, Paula Freitas, Pato Branco, Prudentópolis, Mallet, Londrina, Arapongas, Mandaguari e Marumbi. Desovaram em Mandaguari, Arapongas e Londrina.

São Paulo

Em São Paulo, chegaram no começo de novembro, desceram em um cerrado, desovaram,  e prosseguiram rumo ao Mato Grosso do Sul, sem causar danos as lavouras. No dia 18 de novembro, houve uma grande invasão de gafanhotos em Presidente Prudente.

Mato Grosso do Sul 

No dia 28 de outubro, uma nuvem com 12 quilômetros de largura passou próximo da cidade de Bela Vista. Os insetos seguiram em direção ao Chaco Paraguaio.

Combate

- No dia 04/10, o Presidente da República Eurico Gaspar Dutra, assinou a primeira lei votada pelo Congresso em nove anos, autorizando a abertura pelo Ministério da Agricultura de um crédito no valor de Cr$ 1.800.000,00 para o combate aos gafanhotos.

- 300 lança-chamas e toneladas de inseticida foram importados dos Estados Unidos. 25 lança-chamas foram adquiridos na cidade do Rio de Janeiro.

- Foi criada a Comissão de Combate aos gafanhotos, que se reunia permanentemente com autoridades federais e estaduais do sul do país, prefeitos dos municípios atingidos, e com postos de Serviço de Meteorologia, levantando os mapas dos municípios assolados pelos gafanhotos, enviando e recebendo questionários que habilitassem o combate aos saltões, e que possibilitassem meios de defesa em regiões com riscos de sofrer novas invasões.

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- A F.A.B. cedeu um avião para transportar para o sul, 168 pulverizadores, 2 polvilhadores, 200 máscaras contra pó e gás, 16 luvas de borrachas, e toneladas de inseticida.

- O Exército colocou a disposição do Instituto Biológico de São Paulo, 1.000 homens e todas as viaturas. Santa Catarina também recebeu ajuda de forças militares.

- O Ministério da Guerra enviou ao estado do Rio Grande do Sul, 6 jeeps para reforçar o número de viaturas empregadas no transporte de material para o ataque aos saltões.

 - No Ministério da Agricultura, todos os técnicos, grupos de funcionários especializados, todo material antigo e moderno, foram mobilizados para a guerra contra os gafanhotos.

- O método aconselhado pelos técnicos para combater a praga, era da pulverização e polvilhamento de inseticidas com serragem, fubá e uma percentagem de veneno, arsênico ou verde-paris. Para os saltões eram usadas várias estratégias; em campo aberto, um cerco com folhas de zinco, enxoteamento com vassouras de fogo e finalmente a queima dos filhotes, e nos terrenos com plantações ou mata, eram abertas valetas, e empurrados os saltões para dentro, e depois enterrados.

Depoimentos

Alguns moradores da região que vivenciaram este acontecimento, relataram como foram suas experiências.

Alzivino Strapassola, 85 anos, morador do Bairro São Vicente, em Herval d´Oeste. Na época da praga, morava na Linha Canhada Funda, em Herval d´Oeste.

Seu Alzivino contou que como no Brasil não havia veneno disponível na época foi preciso importar dos Estados Unidos. A forma que encontraram para salvar um pouco da colheita, era bater latas no meio da plantação. Ele, na época com 8 anos, e a irmã Melânia, com 6 anos, muniam-se de uma lata e um pedaço de pau, e tentavam afugentar os bichos com o barulho das batidas. O veneno importado dos Estados Unidos foi o BHC, proibido na década de 80, por ser um produto de alto teor tóxico, pois os resíduos químicos podiam não se decompor no solo, contaminando as fontes de água. Quando o BHC chegou, os gafanhotos que ainda não tinham migrado para outros locais foram combatidos com o inseticida. Eram tantos, que valas enormes foram abertas para enterrá-los.

Iracema Durigon, 91 anos, moradora do centro de Herval d´Oeste. Na época da praga, residia na Comunidade da Serra Alta, em Herval d´Oeste. 

Dona Iracema contou que eram tantos gafanhotos, que chegavam a tampar o sol. Milhares pousavam sobre as árvores, e o peso era tanto, que alguns galhos chegavam a quebrar. A casa precisava ficar completamente fechada para evitar a invasão dos insetos, e quando foram embora, tudo o que havia de verde sobre a terra, tinha sido consumido. Não havia mais pão, e a alimentação era a base de batatas e carne.

Leonildo Tessari, 94 anos, morador do KM 7 da Comunidade da Barra Verde, em Herval d´Oeste. Na época da praga, morava no KM 10 da Comunidade da Barra Verde, em Herval d´Oeste.

Seu Leonildo contou que os gafanhotos chegaram em nuvens grandes e pousaram. E não tinha como combater. Tentaram espantá-los batendo lata e com uma vara, mas não adiantava. Comiam tudo, e sobrava só o talinho do trigo. 
Quando foram embora, alguns ficaram para trás e desovaram. O milho já havia germinado, e quando os ovos eclodiram e vieram os filhotes, a plantação toda ficou ameaçada. No final da tarde, paravam e sentavam. E era neste momento que os colonos aproveitavam para defender a lavoura. Abriam valas, e com uma vara tocavam os filhotes para dentro e enterravam.

Amilton Chaves, 84 anos, morador do Bairro São Vicente, em Herval d´Oeste. Na época da praga, morava na Barra do Pinheiro, em Ipira.

Seu Amilton contou que quando os gafanhotos chegaram, começou um barulho que parecia que iria acabar o mundo, chegava a deixar surdo. A nuvem era tão grande que escureceu o sol, e foram tantos os insetos que pousaram sobre os trilhos da estrada de ferro, que os trens tinham que parar. Os colonos vinham munidos de pás para dar fim nos bichos, mas não adiantava. Eram milhões, e milhões e milhões de gafanhotos. Ficavam tudo amontoado nos trilhos e era cada vez mais bicho. Batiam na colônia, na lavoura e comiam tudo, e quando não tinha mais comida para eles, iam embora.

Leda Silva Kerber, 82 anos, moradora do centro de Joaçaba. Na época da praga, morava na comunidade de Gramado, distrito de Rio das Antas

Leda contou que a luta contra os gafanhotos foi árdua, e até as crianças tiveram participação importante. Leda batia latas para ajudar a fazer barulho para espantar os insetos, e ainda hoje lembra daquela nuvem imensa que cobria a Vila, e dos gafanhotos batendo nas pessoas. E era algo impressionante, pelo tamanho que tinham. Depois quando a população se livrou deles, foi aquela tristeza pela devastação que deixaram.

Rosalina Alves, 81 anos, moradora do Bairro São Vicente, em Herval d´Oeste. Na época da praga, morava em Treze Tílias.

Dona Rosalina contou que quando levantaram de manhã, escutaram um forte barulho causado pelos gafanhotos que vinham como um enxame de abelhas. O pai apanhou uma bomba caseira de passar veneno, e Dona Rosalina e as demais pessoas da família apanharam panelas, tampa, e tudo que fosse possível bater para espantar os gafanhotos. Juntaram toda a criançada da redondeza, e fizeram tanto barulho que espantaram os insetos para o outro lado do rio. Não foram muitos que baixaram na lavoura do pai de Dona Rosalina, mas na Linha do Cedro, foram tantos, que onde sentaram, limparam tudo. Os colonos utilizaram Neocid, um inseticida em pó derivado do DDT, com a mesma composição química do chumbinho, para matar os gafanhotos, mas a eficácia do produto no extermínio dos insetos era baixa.

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José Vingla de Matos, 83 anos, morador do centro de Herval d´Oeste. Na época da praga, morava em Anita Garibaldi.

Seu José contou que os gafanhotos vinham como um enxame, e não havia nada para combater. Pousavam sobre as árvores e comiam todas as folhas. Muitos fizeram fogo com vários objetos velhos para espantá-los com a fumaça. Na lavoura que os gafanhotos pousavam, no outro dia, não havia mais nada. Restava ter que plantar tudo novamente. Eram tantos, que escondiam o sol. Não passaram fome porque tinham muitos cereais estocados, que deu para sobreviver até plantarem e colherem novamente.

Espécie de gafanhoto da Praga de 1946


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Schistocerca cancellata – Também conhecida como Schistocerca paranensis. É a principal espécie de gafanhotos da América do Sul a formar nuvens, e atacar lavouras. Em 1933, estima-se que destruíram 2 milhões de toneladas de cereais e outras culturas anuais. Pode devorar mais de 400 espécies de plantas.

Reprodução 

Após o acasalamento, a fêmea do gafanhoto faz um buraco no solo, introduz o abdômen, e deposita entre 80 a 120 ovos dentro da terra. Dos ovos eclodem as ninfas, semelhantes aos adultos, mas sem asas e aparelho reprodutor.

As ninfas passam por várias mudas até atingirem a maturidade sexual e desenvolverem asas, chegando no último ciclo de desenvolvimento, conhecido como imago, ou fase adulta.

Geralmente são dois acasalamentos por ano, mas quando a temperatura está mais alta, pode ocorrer um terceiro. Segundo pesquisadores, quando o terceiro acasalamento acontece, a população dos insetos tende a aumentar muito e o alimento do local onde eles se encontram, esgota. A espécie então se agrega, alça voo, forma nuvens e sai para se alimentar e se reproduzir.

Outras invasões de gafanhotos no sul do Brasil

No Rio Grande do Sul, há relatos de invasões de gafanhotos desde 1896.

Em 1906, uma invasão assoladora de gafanhotos atingiu o Rio Grande do Sul. O prefeito de Cruz Alta, Cândido Machado, declarou na época, que agricultores com menos posse foram à miséria. A praga ultrapassou a região sul, avançando até o estado do Rio de Janeiro.

Em 1932 e 1933, o Rio Grande do Sul sofreu com invasões de gafanhotos, que deixaram estragos nas plantações de milho, arroz, trigo e cana de açúcar.     

Em 1933, uma nuvem de gafanhotos chegou até Santa Catarina. Um registro encontrado na Hemeroteca Digital Catarinense, na primeira edição do jornal O Cruzeiro, de 19/11/1933, na época em que Joaçaba era a Vila de Cruzeiro do Sul, sede do município de Cruzeiro, relata que uma densa nuvem de gafanhotos invadiu Concórdia (na época, era distrito de Cruzeiro) e adjacências, e os estragos causado pela praga foram bastante consideráveis. Não há relatos sobre ataques na região do Vale do Rio do Peixe.

Em 1945,  no mês de setembro, uma nuvem de gafanhotos vinda da Argentina invadiu o município gaúcho de Itaqui, na fronteira, mas regressaram ao local de onde vieram. No mês de novembro, nuvens de gafanhotos atingiram Uruguaiana e São Borja.

1947

Rio Grande do Sul 

Em 1947, uma nova nuvem invadiu o estado do Rio Grande do Sul. E foi neste ano, em 19 de agosto, que na cidade de Pelotas, houve o primeiro voo de pulverização para combater os gafanhotos, nascendo assim, a Aviação Agrícola Brasileira.

Santa Catarina

Em 1947, algumas nuvens foram registradas em municípios catarinenses. Os estragos nas lavouras não se comparam aos de 1946, e os registros abaixo foram noticiados pelo jornal carioca A Noite.

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    15/05 - Uma imensa nuvem de gafanhotos, de envergadura igual as do ano anterior, passou sobre Piratuba, deixando os colonos apreensivos.
  • 21/06 - Uma nuvem de gafanhotos baixou no município catarinense de Tangará e no município gaúcho de Jaguarão.
  • 23/06 - Uma grande nuvem de gafanhotos foi avistada na divisa dos municípios de Blumenau e Jaraguá do Sul, mas não baixou e tomou direção ao sul do estado.
  • 03/07 - Uma espessa nuvem de gafanhotos pousou no município de Massaranduba, considerado a capital catarinense do arroz, destruindo suas plantações.
  • 23/07 - Uma nuvem de gafanhotos passou voando baixo sobre o município de Blumenau, e dirigiu-se ao sul do estado.
  • 06/08 - Os municípios de Timbó, Indaial e Rodeio, tiveram suas plantações de milho, arroz e mandioca devastadas por gafanhotos.
  • 06/09 - Uma nuvem de gafanhotos baixou sobre a comunidade Lindenberg, no município de Capinzal, arrasando com as plantações de trigo. Um agricultor, que à custa de muito sacrifício conseguiu plantar um trigal em sua propriedade, vendo todo seu esforço destruído em poucas horas, desesperado, se suicidou.
  • 31/10 - Nuvens esparsas de gafanhotos surgiram em Rio das Antas.
  • 14/11 - Densas nuvens de gafanhotos invadiram os municípios catarinenses de Rodeio, Timbó e Indaial.

1948 

  • Entre 31/01 e 01/02 - Nuvens não muito densas de gafanhotos sobrevoaram Porto Alegre, incluindo o centro da cidade.
  • 07/07 - Uma nuvem de gafanhotos de 12 quilômetros, voou sobre Florianópolis,.
  • 25/07 - As plantações de trigo de Araranguá foram devastadas por uma nuvem de gafanhotos de 3 quilômetros, que baixou sobre o município. Esta nuvem, depois de destruir as lavouras dos araranguaenses, levantou voo e dirigiu-se para o município de Jaguaruna.

Outras invasões no Rio Grande do Sul 

Uma outra invasão de gafanhotos sem muito impacto aconteceu no noroeste gaúcho em 1983. Nos anos de 1999 e 2000, os municípios de Passo Fundo e Júlio de Castilhos foram invadidos por gafanhotos. Em Júlio de Castilhos, as lavouras de soja foram bastante prejudicadas.

2020

Em 2020, uma nuvem de 10 quilômetros quadrados, contendo cerca de 400 milhões de gafanhotos, chegou a 83 km da divisa da Argentina com o Brasil, colocando o Rio Grande do Sul e Santa Catarina em emergência fitossanitária. Com a chegada de uma frente fria, a nuvem ficou estacionada, e autoridades sanitárias argentinas intesificaram o combate aos insetos e conseguiram reduzir em até 85% o volume dos gafanhotos no local, e o resto da nuvem acabou não avançando para dentro do território brasileiro. Caso esta nuvem tivesse invadido o país, estava sendo estudado a possibilidade da utilização de uma frota com mais de 400 aviões no combate aos insetos.

Como a praga de gafanhotos pode ser combatida atualmente 

A melhor forma de controle é impedir o crescimento da população, com controle químico, usando agrotóxicos, ou com controle biológico, com animais predadores. Se a nuvem estiver formada, a medida mais indicada é esperar que os gafanhotos pousem e estacionem no chão, e então aplicar agrotóxico.

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